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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

QUIMZÉ LOURENÇO, UM CANTOR À SOLTA


Joaquim José Lopes do Rosário Lourenço, nasceu a 06 de Dezembro de 1971, na Chamusca , em casa dos avós maternos. Como o próprio diz, “numa tarde anormalmente quente e ensolarada.”
Filho de um casamento por procuração, a mãe vivia na Chamusca e o pai, militar, estava a cumprir a sua 3.ª comissão de guerra em África, é concebido em Moçambique, depois da consumação do casamento por parte dos seus pais.
Devido ao perigo da guerra, já com 7 meses de gravidez, a sua mãe regressa a Portugal, mas durante o voo começa a ter sinais de parto e passa por momentos dolorosos. Apesar dessa situação a criança apenas viria a nascer 2 meses depois.
Foi somente aos 3 anos que conheceu o pai, em Angola, onde este se encontrava a garantir a ponte aérea entre aquele país e Portugal, na fuga e embarque de todos aqueles que procuravam pôr-se a salvo dos confrontos da guerrilha civil angolana. Desse período ficam-lhe marcados na memória o estilhaçar dos vidros da casa onde viva, devido aos disparos e rebentamentos, o sofrimento da mãe com o receio do perigo que corria o seu filho e o regresso urgente a Portugal por razões de segurança e que originou mais uma vez a separação da família.
Filho de um pai ausente é o avô a sua figura paterna. O amigo e protector durante uma parte da sua infância, que decorre tranquila com a frequência da escola primária e com uma alegria em muito reforçada pela oferta de instrumentos musicais de brincadeira, que são para ele como autênticos tesouros.
Aos 9 anos recebe do pai, como prémio por ter sido aprovado no exame da 4.ª classe, uma guitarra clássica e sozinho, no seu quintal, começa a tentar aprender algumas melodias, ouvindo a telefonia. Pouco tempo depois já consegue interpretar os temas, “Canta Amigo Canta” e “Uma Gaivota Voava Voava”.
Por influência dos vizinhos que o ouviam e viam nele qualidades musicais, chega a ter lições de música com o músico e fadista João Chora e a actuar num espectáculo no Cine-Teatro da Chamusca.
Com o final deste aprendizado dedica-se sobretudo aos estudos, ingressando no curso de Sociologia da Universidade de Coimbra. Contudo, durante este período, conjuntamente com os seus amigos e músicos, Luís Petisca e Sérgio Marques, continua a tocar nos jardins da Chamusca e nas escadas do Cine-Teatro local, por puro prazer, tendo depois os 3 começado a actuar em bares e em espectáculos de fado realizados ao fim-de-semana. Chega igualmente a fazer parte do elenco musical da reposição das revistas “Na Cepa Torta” e “Salsifré”.
Como a sua motivação eram sobretudo os estudos, apesar dos convites de grupos de fado de Coimbra e de ter feito algumas actuações, dedica-se com afinco ao curso e ao mestrado, terminando ambos com sucesso.
Torna-se investigador na Universidade de Coimbra e complementarmente dá aulas de Sociologia. Em simultâneo, trabalha como investigador na área de Psicologia Clínica, no Hospital da Universidade. Escreve ainda textos, na área de psicologia, a convite de universidades dos Estados Unidos da América e que são publicados, com frequência, naquele país. Apesar do convidado para ir fazer investigação e viver para os Estados Unidos da América, acaba por permanecer em Portugal.
Em 1998 com a morte de Frank Sinatra, compra os cd’s deste cantor e volta a “renascer” para a música. Acompanha a digressão do conjunto “Além Mar” e conhece também o grande compositor e intérprete José Cid que o incentiva a  cantar.
No ano de 2000, em Abrantes, estreia o primeiro espectáculo da sua autoria: “Só Nós Dois”, a que se seguem outras produções como “Portugal Acústico” e “Álbum de Recordações”, chegando com este último espectáculo a  manter uma digressão nacional que durou 6 anos.
Entretanto recebe um convite do encenador João Coutinho, da Companhia de Teatro do Ribatejo, para representar, musicar e cantar no espectáculo “De Salazar a Otelo”, que teve várias representações e foi muito bem sucedido.
Impulsionado pelo sucesso deste musical, em 2004, resolve aventurar-se nos musicais norte-americanos. Pede uma licença sem vencimento na universidade e vai para Nova Iorque onde, depois de um casting no Ethel Barrymor Theatre, é seleccionado como cantor e actor para fazer substituições em elencos principais da Broadway. Ali actua por diversos períodos durante os anos de 2004 a 2007. Apesar de fazer viagens frequentes entre os E.U.A e Portugal continua a exibir o espectáculo “Álbum de Recordações” e torna-se produtor de grandes espectáculos em Portugal. Rolling Stones; Harlem Globetrotters (digressão também em Espanha e Itália); Liza Minelli e, em 2007 e 2008, a digressão nacional da fadista Mariza.
Em 2006 tem que tomar uma opção muito importante. Reintegrar-se na sua profissão na universidade ou dedicar-se à carreira artística. Num arrojo de coragem, liberdade e paixão pela música, abdica da sua actividade profissional em Coimbra e entrega-se com fervor à cena musical.
Em Janeiro de 2009 estreia o espectáculo “Ary o Poeta das Canções” e desde então tem feito várias digressões nacionais desta produção musical, tendo percorrido praticamente todo o país, pisando grandes palcos, com um sucesso relevante.
Fiel à cultura portuguesa, à qual quer “fazer justiça”, por entender que Portugal tem muitas qualidades e grandes valores, tal como Ary dos Santos foi um poeta da liberdade, QuimZé Lourenço é um homem livre na sua filosofia de vida e um cantor à solta no palco de emoções e solidariedade em que transformou a sua vida.
Um altruísta que não está no espectáculo apenas por dinheiro e que praticamente em todas as localidades onde actua, doa sempre uma parte do valor apurado na bilheteira a Instituições de Solidariedade ou que trabalhem em prol de causas sociais.


Canção "Cavalo à Solta" - Espectáculo "Ary o Poeta das Canções".

Antes de sabermos algo sobre o homem, vamos conhecer a criança. Como é que decorreu a tua infância?

Para responder a essa pergunta acho muito importante referir um curto período anterior ao meu nascimento.
No ano de 1970 os meus pais casaram por procuração. Isto porque a minha mãe vivia na Chamusca e o meu pai sendo militar de uma tropa especial (“Caçadores-Paraquedistas”), estava na cidade da Beira, em Moçambique, a cumprir a sua 3.ª comissão de guerra em África, comandando um pelotão, depois de já ter estado em Angola e em Moçambique uma primeira vez.
Foi somente em Janeiro de 1971 que a minha mãe viajou para Moçambique, tendo ali o casamento sido consumado de facto. Sou concebido no mês de Março, mas devido ao estado de guerra naquele país, por uma questão de segurança, o meu pai entende que a minha mãe, já com 7 meses de gravidez, deve regressar a Portugal. Como é sabido num estado tão avançado de gestação, devido à altitude, uma grávida não deve viajar de avião. Por isso durante a viagem e sobre o Oceano Atlântico eu ‘quis nascer’. Foi um rebuliço a bordo, porque ninguém sabia como lidar com a situação. Contudo, apesar das dores de parto que a minha mãe sentiu, milagrosamente não nasci nessa altura. O que só veio a suceder 2 meses depois, na Chamusca, em casa dos meus avós maternos. Daí que, devido a estes factos, eu me considere desde sempre um filho da guerra colonial.

O teu início de vida dá-se com os teus pais separados pela guerra?

Sim, porque o meu pai continuou na guerra em África. Apesar de ter feito uma rápida viagem a Portugal para me ver, quando eu tinha alguns dias de vida.

A visita do pai para o ver.

Só vim a conviver com o meu pai aos 3 anos de idade, quando no Verão quente de 1975 viajo com a minha mãe para Luanda. O meu pai fazia parte da força militar que estava a garantir a ponte aérea entre Luanda e Lisboa. Lembro-me perfeitamente dos vidros da casa onde estava a morar se estilhaçarem todos os dias, devido aos disparos e trepidações dos rebentamentos da artilharia utilizada na guerrilha entre a UNITA e o MPLA. Lembro-me de tudo. E ainda hoje me sinto incomodado com o troar dos espectáculos de fogo-de-artifício.
Apesar disso eu e a minha mãe ainda permanecemos em Angola cerca de 2 meses e meio, mas ela sofria bastante com receio do que me pudesse suceder, porque entre as muitas palavras de ordem escritas nas paredes das casas, havia uma frase marcante: “matem criança branca”. Passámos por alguns sustos e nós os dois fomos obrigados a regressar a Portugal e a afastar-nos mais uma vez do meu pai.

Sentiste muito a falta da figura paterna nestes primeiros anos da tua vida?

Sem dúvida. Mas como vivia com a minha mãe em casa dos meus avós maternos, o meu avô acabou por ser a figura paterna. Como se pode verificar pelas fotografias estou sempre acompanhado por ele e com as mãos à cintura como quem faz uma pega de caras. O meu avô foi sempre como que o meu primeiro ajuda numa pega de forcados. Na verdade ele foi sempre o meu protector. Pela vida fora foi sempre o grande amigo, até que no dia 01/04/2012 me morreu nos braços. Estava à mesa a comer quando lhe deu um AVC fulminante e fui eu que, pressentindo no seu rosto o que estava a suceder, o segurei e impedi que ele caísse ao chão.

Sempre com a companhia do avô e de mãos à cintura numa postura de forcado. 


Apesar das tribulações que referiste foste uma criança tranquila e feliz?

Fui sempre uma criança tranquila, bem comportada e que gostava de estudar. Entrei para a Escola Primária da Chamusca com apenas 5 anos, em 1976, e aos 9 anos terminei a 4.ª classe.

1.ª classe na Escola Primária da Chamusca, com o saudoso Professor Filipe.
QuimZé é o primeiro à direita na fila de baixo.

4.ª classe na Escola Primária da Chamusca. É o primeiro à direita na segunda fila.

Penso que fui também um miúdo alegre, na medida em que desde cedo comecei a sentir afinidade com a música e andava constantemente a pedir instrumentos musicais de brincadeira e com os quais me dava uma grande alegria brincar.

A alegria da criança, com os instrumentos musicais de brincadeira.




A brincadeira tornou-se realidade, quando o meu pai pediu a um amigo que comprasse em Espanha uma guitarra clássica. A qual me viria a oferecer como um prémio por eu ter ficado aprovado no exame da 4.ª classe. E foi assim que, aos 9 anos, me tornei uma criança ainda mais alegre e feliz. Porque tinha um instrumento musical a sério e ele dava-me a oportunidade de começar a aprender a tocar. Ia para o quintal com a guitarra tentando, sozinho, tirar uns acordes das músicas que ouvia na rádio e que muito me influenciavam. As primeiras canções que me lembro de ter tocado e cantado já com alguma sonoridade, foram: “Canta Amigo Canta”, de António Macedo e “ Uma Gaivota Voava Voava”, de Ermelinda Duarte.

Pode dizer-se que este foi o começo da tua ligação à música?

De certa forma foi isso que sucedeu, porque comecei a despertar a atenção dos vizinhos e por sua influência, dado que falavam com a minha mãe e lhe diziam que eu tinha muito jeito, ela levou-me a aprender música com o fadista João Chora, que já tinha uma considerável actividade musical e que me começou a ensinar alguns acordes. Foi com ele que aprendi o b.a.bá musical. Um ano depois cheguei a actuar num espectáculo que ocorreu no Cine-Teatro da Chamusca. Contudo, algum tempo depois, o João Chora chamou a minha mãe e disse-lhe que já me tinha ensinado tudo o que sabia e que já não tinha mais nada para me ensinar. A partir dai comecei a concentrar-me só nos estudos. Finalizo o 9.º ano na Chamusca e vou estudar para Torres Novas, onde termino o 12.º ano. Depois faço a Prova Geral de Acesso à Universidade (PGA), obtendo uma boa média, que me permite a entrada no Curso de Sociologia da Universidade de Coimbra no ano lectivo, de 1989-90.

Isso significa que guardaste a guitarra no saco e que deixaste de pensar nas canções?

Não foi propriamente assim. Durante o período universitário a minha mãe levou-me para a reposição das revistas à portuguesa “Na Cepa Torta” e “Salsifré”, que tinham sido representadas originalmente na Chamusca nos anos 60 e onde ela actuava como actriz. O elenco musical dessa reposição era constituído por mim, que tocava viola, pelo Mestre Julião no bandolim, o Senhor Salvador no baixo acústico, o senhor Durão no acordeão, o Luís Petisca na guitarra de fado e o João Chora ao piano.

Com Luís Petisca no final de um espectáculo da reposição das Revistas "Na Cepa Torta e Salsifré".

Às segundas-feiras baldava-me às aulas na Universidade para estar nos ensaios da Revista.
Também por influência do Luís Petisca e do Sérgio Marques, íamos tocar para os jardins da Chamusca ou nos degraus do Cine-Teatro, sempre com uma assistência de curiosos. Depois demos um salto e começámos a tocar em bares, aos fins de semana, e também em alguns espectáculos de fado. Tocávamos pop-rock internacional, blues, jazz, flamenco e bossa nova. Eu já tocava e cantava quase todo o repertório do Zeca Afonso, incluindo as baladas de Coimbra. Lembro-me ainda nessa altura dos instrumentais dos  Gipsy Kings e dos temas do Paco de Lucia. Eu, ao contrário do Sérgio, era um autodidacta mas lá me desenrascava.
Apesar dessas incursões o meu grande objectivo a partir do momento em que entrei na Universidade foi o de estudar e ser um bom aluno. Por isso, apesar de ter sido igualmente convidado para tocar em grupos de fado de Coimbra e ter até participado em algumas actuações, o facto é que nunca me quis envolver muito com a música para não prejudicar os estudos.

E com alguma música e muito estudo terminaste o curso!?

Queima das fitas de 1994. Frequentava o 4.º ano de Sociolgia.

Terminei o curso em 1995. No último ano do curso fui convidado para fazer investigação na Universidade e complementarmente dar aulas de Sociologia. Seguiu-se o mestrado sobre o tema “Comportamento Improvisado”  e aproximo-me da Psicologia. Começo a fazer investigação na área da Psicologia Clínica no Hospital da Universidade.
         Em finais de 1997 começo a publicar textos de psicologia nos Estados Unidos, a convite de algumas universidades norte-americanas. Sou igualmente convidado para fazer investigação e residir naquele país. Mas acabei por cá ficar. Apesar de não ter ido para os Estados Unidos da América continuei a editar lá.

O professor e o investigador silenciaram o músico e o cantor que havia em ti?

Efectivamente era isso que estava a suceder, só que em Maio 1998 morre o cantor Frank Sinatra. No dia seguinte fui comprar todos os CD’s dele. Talvez tenha sido por causa dele que quis começar a cantar ‘à séria’ e renasci definitivamente para a música. Nesse mesmo ano conheço e contacto com o Grupo “Além Mar” onde o Francisco Velez, já se encontrava a tocar e acompanho as digressões do Grupo. Tenho a oportunidade de conhecer grandes nomes da música nacional. Em 1999 conheço o também chamusquense José Cid, grande compositor e intérprete, que me dá muito incentivo para cantar, tendo-me inclusive convidado para fazer vozes no CD de originais que  ele lançou nesse ano.
         E é com este impulso que me estreio no dia 1 de Abril de 2000 como cantor, recebendo um cachet, num restaurante-bar e sala de espectáculos chamado “Chiado” em Abrantes, junto à Câmara Municipal. Nesse espectáculo que se chamava “Só Nós Dois”, era acompanhado pelo pianista André Vicente, sendo o reportório na 1.ª parte constituído pelos clássicos americanos e a 2.ª parte composta por clássicos musicais portugueses, imortalizados por Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Carlos Mendes, Simone de Oliveira, Carlos do Carmo, Jorge Palma, Rui Veloso, Trovante, entre outros.
         Como achava que a segunda parte tinha mais valor, por reflectir a cultura portuguesa, pensei em fazer um espectáculo só com os clássicos portugueses e assim criei o espectáculo “Portugal Acústico”, onde era acompanhado pelo Ricardo Favas, na guitarra eléctrica, Bruno Ramiro no baixo, Sérgio Marques na bateria, André Vicente no piano e a Sofia Santos que também cantava. Estreamos este espectáculo na “Festa do Rio e das Aldeias”, no Arripiado, e voltámos a fazer este espectáculo mais uma vez “Nas Mãos de Mestre”, na Chamusca.
Estreia do espectáculo "Portugal Acústico", em 13/08/2000, na "Festa do Rio e das Aldeias" no Arripiado.

      Este projecto musical não teria sequência porque o Sérgio Marques e o André Vicente tinham uma vida muito ocupada e não podiam continuar a acompanhar-me. Isto apesar de em Maio de 2002 ainda termos feito, na Semana da Ascensão, na Chamusca, um espectáculo em que intervém o Sérgio Marques e o naipe de metais da  Orquestra do Maestro José Santos Rosa, que foi como que um reeditar do “Portugal Acústico”.

Apresentação em Maio de 2002, na Semana da Ascensão, na Chamusca.

O final deste projecto musical significou um rude golpe na tua motivação?

         Eu queria continuar a fazer espectáculos musicais (e viver disso) e é por esse motivo que contacto o pianista João Guerra Madeira (que conheci num Espectáculo de Jazz), para comigo fazer novos arranjos para os temas clássicos portugueses. Depois, conjuntamente com um baterista e um baixista profissionais e com o prestigiado saxofonista português Nanã Sousa Dias, produzo e canto no espectáculo “Álbum de Recordações”, que estreia em Agosto de 2002 na “Festa do Rio e das Aldeias”, no Arripiado. Com este espectáculo, em Maio de 2003, na Semana da Ascensão, é a última vez que actuo na Chamusca num espectáculo de minha autoria, tendo como convidados o José Cid, o Sérgio Marques e a Sofia Santos. Já integrava esta produção o trompetista Tomás Pimentel.
         Comecei a ir bater à porta das Câmaras Municipais. Neste aspecto fui muito ajudado pelo Raul Caldeira que falava com os autarcas e lhes dava boas referências sobre mim, pois via-me como um artista com talento.
         No ano da estreia fui a Torres Novas, ao velho Teatro Virgínia, e ao Entroncamento ao agora encerrado Cine-Teatro São João. Com este mesmo espectáculo, “Álbum de Recordações”, a Digressão durou 6 anos e passou por Auditórios, Cine-Teatros, praças e centros históricos.

Espectáculo "Álbum de Recordações" no Cine-Teatro S. Pedro em Abrantes (2004).

 Espectáculo "Álbum de Recordações" na Aula Magna de Lisboa (2004).

Espectáculo "Álbum de Recordações" na Antena 1 (2007).

Sei que, entretanto, em 2004, o musical “De Salazar a Otelo” significa uma viragem no teu caminho. De que forma é que isso sucedeu?

Eu nunca tive muita actividade na área da representação teatral, mas tinha alguma noção das minhas capacidades, uma vez que para além do episódio de aos 6 anos, numa festa da Escola Primária, ter declamado um poema intitulado “O Sol”, tendo recebido bastantes aplausos, tive a oportunidade de participar em algumas peças no Ciclo Preparatório, tendo-me sido sempre atribuídos papéis principais. O encenador João Coutinho, da Companhia de Teatro do Ribatejo, convidou-me para musicar, cantar e representar no musical “De Salazar a Otelo”, comemorativo dos 30 anos do 25 de Abril. O espectáculo teve várias representações e foi um sucesso, o que me fez acreditar mais nas minhas potencialidades.
Devido à muita experiência na música e a algum jeito para a representação, nesse mesmo ano de 2004 penso em aventurar-me e partir para os Estados Unidos da América para participar em musicais. Meto uma licença sem vencimento na Universidade e vou para Nova Iorque tentar a vida artística. Não o faço à toa, porque falo bem inglês, tinha contactos naquele país que me permitiam ter alguma segurança para enfrentar o período inicial e dinheiro no bolso para as despesas.
Fui fazer o casting na Broadway, destinado a escolher novos artistas para a temporada anual com vista a substituírem os elencos principais. Passei no casting e começo a actuar como cantor e actor, fazendo substituições, por diversos períodos durante os anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, viajando com frequência entre cá e lá.

Durante o casting no Ethel Barrymor Theatre, em Nova Iorque.



O que é que aprendeste no mundo artístico norte- americano?

Aprendi o quanto importante (eu diria até decisiva) é a produção de um Espectáculo. Sobre o que deve versar um Espectáculo? Como deve ser escrito ou montado? Como se escolhem as músicas e os textos? Como se escolhe o elenco, os músicos, os bailarinos, os intervenientes? Para quem fazemos o Espectáculo? Qual é o nosso público-alvo? Como é que comunicamos eficazmente com ele? Como se emocionam as pessoas? Como se vende um Espectáculo e como pagamos as contas daquela gente toda? Como mantemos uma Companhia e um Teatro a funcionar? Fiquei a saber alguma coisa de criação, gestão e marketing artístico. Claro que tudo é mais fácil nos Estados Unidos. Há mecenato verdadeiramente e um mercado enorme com muitos anos de actividade e marcas firmadas.
Acho que em Portugal precisamente o que faz a diferença no mundo artístico é ter-se marketing. Talento há muito, falta saber mostrá-lo e vendê-lo. Nisso os americanos são imbatíveis.
         Tenho a certeza que quando apostarmos a sério em internacionalizar a nossa arte e cultura daremos um salto igual ao que demos nas Descobertas. Talento e qualidade não faltam, o que falta é saber mostrá-los ao Mundo e já agora a nós próprios.

Entre as actuações nos Estados Unidos da América e a ponte aérea frequente entre aquele país e Portugal, sobrou-te ainda tempo para desenvolveres mais algumas actividades?

Nesse período produzi em Portugal e no estrangeiro espectáculos internacionais, entre os quais se destacam: Rolling Stones em 2003, no Estádio Cidade de Coimbra; em 2004 a digressão nacional, espanhola e italiana dos Harlem Globetrotters; Liza Minnelli; e em 2007 e 2008 a digressão nacional da fadista Mariza.
Simultaneamente mantive o espectáculo “Álbum de Recordações”, que só viria a terminar devido ao surgimento da nova produção: “Ary o Poeta das Canções”.
Nesse período tive também que tomar uma decisão importante. Em 2006 prescindi do meu lugar em Coimbra para me dedicar à produção de espectáculos a tempo inteiro. Contudo, continuei a publicar nos Estados Unidos e a viver de direitos de autor.

Como é que te surgiu a ideia deste espectáculo sobre o Ary?

Quando comecei a mexer com o espectáculo “Álbum de Recordações”, ao pegar no reportório dos clássicos portugueses, notei que havia um poeta que era comum em cerca de 15 canções das mais conhecidas da nossa música e que continuaram a ser cantadas ao longo de 40 ou 50 anos. Isso era fantástico. Um milagre num país de analfabetos que enquanto tomavam banho ou lavavam a roupa, trauteavam os versos sofisticados do Ary em vez de rimas populares.
As canções eram sublimes e decido montar o espectáculo “Ary o Poeta das Canções” para percorrer o País aquando dos 25 anos da morte do Ary. Dias depois da data da efeméride (em Janeiro de 2009) estreio- o  em directo e ao vivo na Antena 1.
Nestes espectáculos participaram Nanã Sousa Dias, flauta e saxofone, João Guerra Madeira, no piano, Pedro Amendoeira, na guitarra Portuguesa, o Tiago Ramos na bateria e percurssões, o Zeca Neves no contrabaixo (depois substituído pelo Valter Antunes, pelo Eduardo Lopes e actualmente pelo João Ricardo Almeida), as coreógrafas e bailarinas Helena Azevedo e Catarina Gonçalves da Escola Superior de Dança e no multimédia o Nuno Guedelha.

                Canção "Minha Estrela da Tarde" - Espectáculo "Ary o Poeta das Canções.

Desde 2009 que o espectáculo continua a sua digressão nacional. Isso significa uma forte adesão do público?

Sem o público não é possível realizarem-se espectáculos. O espectáculo do Ary enche os espaços onde é apresentado e já percorreu praticamente todo o país, à excepção das Ilhas da Madeira e dos Açores.
Já realizei espectáculos no Casino da Figueira da Foz, Instituto Franco Português e Teatro da Malaposta em Lisboa, Fórum Cultural do Seixal, Teatro Recreios da Amadora, Teatro José Lúcio da Silva em Leiria, Grande Auditório do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, Cine-Teatro Municipal João Mota em Sesimbra, Cine-Teatro Avenida em Castelo Branco, Teatro-Cine de Pombal, entre muitos outros.

Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Casino da Figueira da Foz (Julho de 2009).

Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. (18/01/2011).

Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no  Grande Auditório do CAE da Figueira da Foz (2013).

Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Cine-Teatro Avenida em Castelo Branco (2013).
Este ano já actuei no Teatro Sá da Bandeira em Santarém, Cine-Teatro Caracas em Oliveira de Azemeis, Cine-Teatro Granadeiro em Grândola (nos 40 anos do 25 de Abril) e no Centro Cultural de Cascais. Até ao final do ano vou ainda realizar espectáculos na Casa das Artes em Miranda do Corvo, Casa das Artes e da Cultura do Tejo em Vila Velha de Rodão, no Centro Cultural do Cartaxo, no Teatro Garcia de Resende em Évora, no Teatro Académico Gil Vicente em Coimbra, no Teatro Aveirense em Aveiro e no Centro de Artes de Sines. Para o próximo ano a agenda ainda está mais preenchida.

Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Teatro Recreios da Amadora( 17/04/2014).

Nestes anos de crise profunda onde a primeira coisa a cortar são os orçamentos para a cultura temos feito alguns Espectáculos à bilheteira. O que é mais curioso é que em regra quando assim acontece as salas enchem. Cada Espectáculo é um enorme desafio e um teste à criatividade e à eficácia do marketing e da comunicação que tenho de fazer. As dificuldades têm apurado o engenho e felizmente tenho as contas em dia.
Em todos estes anos nunca recebi um subsídio público, tenho sobrevivido e criado emprego.

Os teus espectáculos também têm uma componente de solidariedade?

Sim. Em cada localidade onde vou à bilheteira tenho sempre ajudado uma Instituição ou causa local, doando pelo menos 1 euro de cada bilhete vendido e em alguns casos, quando tenho um patrocinador que paga o espectáculo, dou todo o dinheiro apurado na bilheteira para uma Instituição que necessite. Por exemplo, a Associação de Apoio à Vítima de Santarém (APAV) estava para fechar as portas e com a receita apurada no meu espectáculo conseguiu equilibrar-se economicamente. Na Figueira da Foz dei 1€ de cada bilhete vendido à Liga dos Amigos do Hospital da Cidade, que muito prezo e que tem tido uma excelente intervenção no apoio aos doentes.
Não estou no espectáculo só por dinheiro. Se o que me movesse fosse apenas o lucro estaria nos E.U.A a fazer espectáculos.

O que é que significa para ti esta ligação permanente à actividade artística?
Eu estava a engordar em Coimbra. Alimento-me de paixões e a música (primeiro), o teatro, a dança e os espectáculos (depois) foram arrebatadores . Optei por eles porque quero sentir-me vivo todos os dias. Cada vez que subo ao palco ‘sou eu’. Sinto que estou cada vez melhor. Tenho feito a minha formação em cima do palco (nunca frequentei nenhuma escola de artes). Sinto-me um homem com sorte, porque dei sempre saltos em frente, e quero viver sempre com novos desafios. Quero fazer justiça à cultura e às artes portuguesas. A canção “Summertime” não é superior à canção “E depois do Adeus”, por exemplo. Temos excelentes poetas, compositores, músicos, cantores que não são valorizados e eu quero que as pessoas percebam que temos muita qualidade no nosso País. Somos o povo com menos auto-estima que conheço. E temos todas as razões para gostarmos do que é nosso. Eu, que não sou político, acredito que a saída para a crise é exportamos a nossa arte e a nossa cultura ou então mostrar ao estrangeiro o que temos de bom e dizer: ‘venham cá ver isto’! A principal indústria americana é a cultural: os filmes, a música e a Broadway. Quando acreditarmos em nós e soubermos vender, temos a nossa sobrevivência assegurada.
O meu passo seguinte é tentar internacionalizar o “Ary”. Vou gravar o tão ambicionado CD e DVD no próximo ano, e tentar que a edição ocorra também no estrangeiro,  acompanhada de uma digressão internacional.

Para quando o espectáculo “Ary o Poeta das Canções” na Chamusca?
Desde 2003 que sempre apresentei propostas à Câmara Municipal para actuar na minha Terra, até que desisti de enviar cartas uma vez que não me respondiam.
Em Março deste ano participei num espectáculo de solidariedade a favor da União Desportiva de Chamusca, para ajudar a Instituição e as pessoas que a ela estão ligadas e que muito prezo. Para que isso fosse possível paguei do meu bolso a um músico e a um técnico de som e não me arrependo. Mas lamentavelmente não consigo fazer o “Ary o Poeta das Canções” no Cine-Teatro da Chamusca, isto depois de já ter apresentado o espectáculo em praticamente todos os concelhos do distrito de Santarém e nas grandes Salas de Espectáculo deste País.
Actuando durante o espectáculo de Solidariedade da União Desportiva da Chamusca.

Nunca me desliguei desta Terra. Por exemplo, sou cliente da Tipografia "A Persistente", que faz todos os encartes, cartazes, bilhetes, convites e conteúdos promocionais dos meus espectáculos. Faço questão de ser fiel a esta empresa da Chamusca, que tem muita qualidade e me trata bem.
Este silenciamento na Chamusca só foi quebrado com algumas idas à RTP e à Antena 1, o que levou a que reparassem no meu trabalho e me tivessem convidado para um pequeno tributo na Biblioteca Municipal, em Fevereiro deste ano. Devo isso à Drª.Paula Ribeiro.

Cantando "Desfolhada" no Programa "Portugal no Coração" da RTP1

Para finalizar, gostarias de deixar alguma mensagem aos leitores e seguidores deste blog?

Depois do que acabei de dizer, talvez faça sentido acabar com as palavras de uma canção do Fernando Tordo: «Se no amor não se olha ao imperfeito, peço que amem os cantores da minha terra».


Agradecimento:
A Dulce Pereira, pela colaboração no trabalho com os vídeos e João José Matias Bento pela cedência de uma fotografia e pela Amizade.


Comentários no Facebook
  • João José Bento Esperava que o Quim Zé, artista de nome nacional, recebe-se neste trabalho de Carlos Oliveira, o tributo de muitos amigos, com os seus comentários, o enaltecer de todo um trabalho que tem feito pela musica portuguesa....mas muito poucos se lembraram deste homem que trocou a vida confortável de professor universitário de Coimbra, pelo mundo da música. Enche casas de espetáculos pelo país inteiro, mas foi esquecido pelos seus amigos.....e também pelas gentes da sua terra, há doze anos que nunca foi contratado para atuar na Chamusca....só que respondeu à chamada do dirigentes associativos nos 25 anos do União da Chamusca, com um espetáculo fantástico...mas atuou de borla..e ainda pagou a um musico e a um técnico de som.....teve um predicado curioso nessa atuação....que só os grandes cantores, músicos e artistas têm,,,consegui fazer sentar os jovens jogadores, com as suas cantigas que durante a atuação dos outros artistas nunca se sentaram e calaram.....Que Pena que não gostem do Quim Zé, que é bom cantor, canta musica portuguesa....é acompanhado por grandes músicos da região e nacionais...é bom cidadão chamusquense.....mas não conseguiu ainda ultrapassar certos Tabus.....Parabéns Quim Zé...que as coisas mudem......e que cantes na Chamusca o poeta das cantigas Ary dos Santos...a nossa Chamusca merece-te aplaudir.....


  • Antonio da Luz Pois é...Santos da terra nunca fizeram milagres. Lamentavelmente é sempre assim.

  • Manuel Petisca Eu estive com o Quim Zé aqui em Lisboa no Tributo ao Ary dos Santos, foi um espetáculo inolvidável cheio de boa música, bonitas canções,dança maravilhosa e de muito colorido, de ver e rever, não sei, mesmo, se algum outro grande artista conseguiria êxito maior. Terminou o espetáculo com toda a plateia aplaudindo de pé a sua actuação, foi enorme. De mim levou apenas o meu sincero agradecimentio acompanhado de um grande abraço. Obrigado Quim Zé.

  • Victor Moedas já mandei uma pequena msg ao Nosso Amigo CARLOS SANTOS OLIVEIRA pelo seu magnifico Trabalho que mais uma vez fez por mais um gr valor da nossa terra obrigado ao QUIM ZÈ pelo Artista que é e ao CARLOS SANTOS OLIVEIRA pelo seu trabalho pelas horas que tem pois que estes trabalhos são precisas muitas porque não aparece assim de qualquer maneira para o Publico um Magnifico Trabalho como o CARLOS muito bem sabe Fazer gr Abraço Amigo CARLOS

    • Luis Filipe Imaginario Á pois é Carlos Oliveira, mais um coração que vai deixar muito boa gente de boca aberta, abraço

    • Maria Fatima Lino Adorei Carlos parabéns. Ao QuimZé que continue com a garra que lhe conheço , com os espectáculos que nos deixa fascinados


    • Jorge Silva Santos O Quim Zé lá vai percorrendo o País todo ... Para quando a sua Terra Natal. A nossa Chamusca sempre foi melhor madrasta que mãe...