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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

SÉRGIO CARRINHO, UM PEDAÇO DE HISTÓRIA


Nascido em 18/01/1949, na freguesia do Pinheiro Grande, SÉRGIO CARRINHO é uma das pessoas que mais contribuiu para o desenvolvimento do concelho da Chamusca.
É uma Figura da História local e regional e também uma referência a nível nacional pela sua longevidade num cargo autárquico.
 É um homem simples, avesso a falar sobre si próprio e que não gosta que deem uma importância exagerada ao seu trabalho como autarca, que segundo o próprio se guiou sempre por uma forte ligação emocional ao seu Concelho.
É também uma pessoa de trato fácil, daí a relação de simpatia que mantemos há vários anos.
O texto que se segue é, sobretudo, uma conversa de amigos, ocorrida no seu cantinho “Mercearia da Quinta”, no Pinheiro Grande.
Apresento-a neste blogue, por entender que são referências humanas como esta que dignificam a Chamusca e que conferem à Pessoa e à Terra a atenção e o respeito que Elas merecem.



Como se processou a sua vida familiar durante a infância?

Eu era o filho mais velho, só depois nasceram os meus três irmãos, a Ivone, o José Augusto e o Manuel. Vivia aqui nesta casa com os meus avós e os meus pais, num espaço onde já tinham vivido também os meus bisavós e fora uma loja e uma taberna onde eles faziam a sua vida e os seus negócios.
A minha família não era das mais pobres. Mas vivíamos o tempo do pão de milho, da couve com feijão e da sardinha para três. Tínhamos uma horta e nunca passámos fome. Como eu era a criança mais velha ajudava nas tarefas familiares, como por exemplo ajudando na horta e nas searas de milho que os meus pais faziam. A nossa vida seguia o ciclo das estações do ano. No Inverno com a chuva, o frio e as cheias do Tejo recolhíamo-nos mais em casa. Na Primavera faziam-se as sementeiras e no Verão as colheitas. Actividades em que eu participava.


O seu pai, à direita da foto, com um amigo.

A sua mãe, à direita na foto, acompanhada por duas amigas durante uma pausa no seu trabalho de descamisar o milho. 

Mas também haviam os momentos de convívio e de lazer, com os bailes na Aldeia ou quando, levando o farnel, nos deslocávamos a pé à Feira de S. Martinho, ou à Ponte da Chamusca para festejar a Quinta-feira de Ascensão e ali passarmos o dia.
No mais, em criança sempre vivi protegido pela atenção dos meus avós. Recebi deles e também da minha mãe os melhores ensinamentos, uma vez que o meu pai não podia estar tão presente, pois passava grande parte do dia a trabalhar. O meu avô ensinou-me a definir as estações do ano, o que era uma aurora boreal, a conhecer as estrelas, como é que os animais se reproduziam, como é que se tratavam os cavalos e os burros, o funcionamento das máquinas agrícolas e a tarefa de descamisar do milho.


Com a sua irmã Ivone e o avô Manuel Faustino o seu grande professor (que viria a falecer de tuberculose pouco tempo depois desta foto ser tirada). 

Fui, portanto, uma criança bem integrada e feliz com a família. Nessa fase da infância só me faltaram as crianças da minha idade para brincar e com as quais só vim a relacionar-me quando fui para a escola.


Com os irmãos, Ivone, José Augusto e Manuel, as crianças que mais preencheram a sua infância.

Como é que se deu essa adaptação à escola?
Deu-se muito bem. Os ensinamentos e a atenção que recebi dos adultos permitiram-me chegar à escola com outra bagagem que os outros meninos não tinham. Tornaram-me mais observador dos gestos, dos hábitos e do enquadramento social e foram muito úteis para a minha formação.
Devido a isso fui logo sinalizado pela minha professora para, eventualmente no futuro, vir a beneficiar de uma bolsa de estudo quando terminasse a 4.ª classe.
Acabei por ver-me atribuída essa bolsa pelo presidente da Câmara da altura, João Alves Orvalho, que também era aqui do Pinheiro Grande e fui estudar para o colégio na Rua da "Formiga" na Chamusca, fazendo o caminho de ida e volta de bicicleta.

Era um bom aluno?
Nunca fui um marrão, mas sempre fui uma pessoa atenta e com vontade perceber o que me rodeava. Talvez devido a essa fome de conhecimento o primeiro livro que desejei ter foi um dicionário. Como era muito caro a minha mãe comprou-mo com dinheiro emprestado que eu viria a pagar com o salário que ganhei durante os 2 meses de trabalho na minha primeira campanha na fábrica “Spalil”, aos 12 anos de idade.
Por outro lado, dos 10 aos 20 anos, se bem que nos últimos 4 já não tão assiduamente, fui sacristão na Paróquia do Pinheiro Grande auxiliando o Padre Diogo. Esta ocupação deu-me um conhecimento espantoso dos rituais, dos ciclos da igreja e da arte sacra.
Com esta tarefa conheci igualmente muitas pessoas de várias classes, pois participava em missas na Chamusca, no Pinheiro Grande, na Carregueira, no Arripiado e também numa capela particular da família Isidro dos Reis. Aprendi muito sobre comportamentos sociais, culturais e religiosos, que de outra forma não teria tido possibilidade de conhecer e compreender, o que enriqueceu a minha formação.
Como o padre Diogo sempre me tratou muito bem, esse facto também tornou mais fácil a minha integração e aprendizagem do latim, que eu falava de cor, e que foi a única língua usada na Igreja até à investidura do Papa João XXIII, no seguimento do Concílio Vaticano II. 
Hoje ainda sei dizer parte da oração do Pai Nosso em latim e tenho como referência a expressão “Sic Transit Glori Mundi”, cujo significado para mim é “a glória do mundo é transitória” e que é um aviso que deixo para todos os jovens, que pensam em ter tudo da vida o mais rapidamente possível e com o máximo de prazer, esquecendo-se que existe um tempo próprio para todas as coisas, uma realidade, e nada é definitivo.
Essa foi também uma evidência para mim, que mal acabei o 5.º ano, tive que deixar o ensino e voltar-me para a prioridade que era ter uma vida profissional, quando aos 16 anos fui trabalhar a tempo inteiro para a “Spalil”.

Qual foi a sua actividade profissional na "Spalil" e de que forma é que o envolvimento social da maior empresa do concelho da Chamusca contribuiu para a sua formação humana?
Gostava de começar por informar, porque a maioria das pessoas não sabe, que a Spalil – Sociedade de Produtos Alimentares Luso Italiana, Lda teve a sua inauguração em 1938 e foi a primeira fábrica de tomate do país. O que é uma referência não só para a história da Chamusca, como para a memória da indústria portuguesa.



Fotografia tirada nos primeiros anos de existência da "Spalil"

Ali comecei a trabalhar na recepção do tomate, na sua escolha e classificação e era aí que se davam os maiores conflitos, porque ninguém queria que o seu produto tivesse uma desvalorização que tornasse o preço de compra mais baixo. Ali aprendi a lidar com as pessoas e a perceber que mesmo a nível do nosso concelho os comportamentos sociais dos naturais do Chouto, não eram iguais aos do Pinheiro Grande ou da Chamusca. Depois fui trabalhar para o escritório, para a secção de pessoal. Era eu que conferia as presenças e elaborava as folhas de pagamento e assim fui criando uma boa ligação com os trabalhadores, a qual se estendeu igualmente aos seareiros e produtores de tomate, não só porque durante a hora de almoço muitas vezes me disponibilizava para os atender, mas também porque paralelamente fazia as contas com eles, o que me trouxe mais experiência prática e pessoal da vida.
Eu era um puto, mas com a confiança das pessoas e aprendendo com todos, fiz-me um homem numa grande empresa que em 1969 chegou a ter 519 pessoas a trabalhar na campanha de Verão. A Spalil foi, sem dúvida, a minha universidade da vida, pois tive uma formação permanente no terreno que me permitiu perceber e gerir as sensibilidades e deu-me um grande capital de conhecimento e autoconfiança.




Um dos primeiros grupos de trabalhadores da "Spalil".


Rótulo de um dos produtos produzidos na "Spalil".

E como era a vida do adolescente fora dos portões da fábrica?
Com o salário que recebia, juntamente com o que me pagavam para fazer a contabilidade de uma Associação de Agricultores do Pinheiro Grande e do Restaurante Paragem da Ponte, que na altura tinha mais de 30 empregados, comecei a ter alguma autonomia económica para comprar jornais, ler os escritores neo-realistas todos, poder ir mais vezes à Vila da Chamusca fazer vida social e relacionar-me com um grupo que falava bastante sobre assuntos políticos. Comecei a ter uma vida de discussão política mais activa e foi nessa altura, em 1969, que trouxe, debaixo da camisa, dois cartazes com palavras contra o governo, para colar nalguma parede do Pinheiro Grande e que escondi entre a colcha e a parede. Mas como era a minha irmã que fazia a cama, descobriu-os e rasgou-os para que eu não fosse apanhado. Isto eu só o soube depois do 25 de Abril de 1974, quando ela mo confessou.
Houve ainda outro episódio, quando o ministro Gonçalves Rapazote veio dizer, na véspera das eleições de 1969,  que não eram permitidos ajuntamentos com mais de 3 pessoas. Uma noite estávamos 7 companheiros à conversa no Restaurante do “Alentejano”, quando a GNR nos veio ordenar que dispersássemos. Saímos dali, mas fomos sempre juntos Rua Direita abaixo até nos sentarmos à porta do Clube Agrícola. Aí fomos novamente abordados pela GNR que nos intimou a comparecer no Posto às 8 da manhã. Fomos interrogados e foi aberto um processo de investigação sobre nós que durou vários meses. Eu fui condenado a pagar 80 escudos e cinquenta centavos e todos os outros foram também sancionados. Por exemplo a um companheiro que era militar e estava destacado na Guiné, cortaram-lhe a licença de férias. Isso era o pior que se podia fazer a quem, como nós, era contra a guerra no Ultramar.

Mas, apesar de ser contra a guerra no Ultramar, também acabou por ser para lá enviado. Como é que decorreu essa experiência?
Esse era o destino e o castigo de praticamente todos os homens jovens deste país.
Em 1970 fui fazer a recruta para as Caldas da Rainha e a especialidade em Tavira. Depois, em finais de Janeiro, início de Fevereiro de 1971 fui, de facto para a guerra do Ultramar, para a Guiné. Era furriel atirador e fiquei lá 18 meses integrado numa companhia de soldados negros. Fui mesmo para a guerra, porque haviam vária zonas ocupadas pelo PAIGC e era preciso combater no mato.
Foi um momento muito difícil, violento e inútil e fiquei com a percepção ainda mais clara de que a guerra só se dera por uma questão política e só dessa forma poderia terminar, como veio a suceder.



Na Guiné, com alguns dos soldados do seu pelotão.

Quando regressou do Ultramar voltou novamente ao trabalho na "Spalil"?
Sim, em 1973 voltei ao meu posto de trabalho na "Spalil", onde algum tempo depois o processo revolucionário do 25 de Abril me veio encontrar. Lembro-me que nesse mesmo dia, com as notícias da Revolução, formámos um piquete junto do portão da fábrica para não deixar entrar ninguém estranho à empresa. Não queríamos qualquer dano num lugar que sentíamos como nosso e era a salvaguarda económica de muitas famílias.
Depois, seguiu-se uma época conturbada com muitos acontecimentos e mudanças, mas também com muita liberdade. Durante esse período fiz parte da Comissão de Trabalhadores da "Spalil"; participei em campanhas de dinamização cultural organizadas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), nomeadamente alfabetizando algumas áreas do concelho; acabei o 6.º e o 7.º ano estudando à noite em Torres Novas e, em 1976, casei-me. Nesse mesmo período comecei a ser sondado para participar mais activamente na vida política.

É então que a política activa começa a fazer parte da sua vida?
Não foi uma escolha imediata, mas com toda a minha bagagem de vida profissional e dos relacionamentos sociais que fui estabelecendo ao longo do tempo, pensei que podia ser útil no desenvolvimento do meu Concelho e acabei por aceitar, quando fui convidado para vir a ocupar um eventual cargo político.
Participei nas primeiras eleições para a Câmara Municipal, em 1976, com o Gonçalo Cabaço como cabeça de lista e integrados na candidatura da Aliança Povo Unido (APU). O partido socialista venceu, tendo ficado como presidente da Câmara o Dr. Francisco Romão, mas eu viria a ocupar o lugar de vereador de 1977 a 1979. Tinha então apenas 27 anos.

E daí a Presidente da Câmara foi um passo?
Não posso analisar a situação dessa forma. Quando concorri como cabeça de lista da APU às eleições autárquicas de 1980 e fui eleito, penso que isso só foi possível porque recebi votos da esquerda e da direita. Nunca se tratou unicamente de cor partidária, mas do facto de eu ser uma pessoa que me relacionava bem com todas as pessoas, de todos os estratos sociais, e por me conhecerem.
O que também se realça pelo facto de ser sempre eleito como independente. Nunca fui militante do Partido Comunista. O único partido onde me filiei foi o MDP/CDE.
Nunca perdi qualquer eleição a que concorri para Presidente da Câmara da Chamusca e se ocupei esse cargo durante 33 anos isso só revela o que anteriormente referi, que grande parte da população do Concelho olhava para mim como a pessoa que melhor assegurava a defesa dos interesses da sua Terra.


Reprodução da sua fotografia, incluída nos cartazes da campanha eleitoral de uma das suas primeiras candidaturas à Presidência da Câmara.



Na Carregueira, com Álvaro Cunhal, durante um acção de campanha para as eleições autárquicas.

Neste seu percurso político ao serviço da Autarquia tem algum momento na gestão autárquica que para si tenha tido um maior significado?

            Desde logo ter conseguido fazer chegar a luz eléctrica a todo o concelho, ter construído estradas e escolas, regularizado o abastecimento de águas e criado as infraestruturas pesadas para pôr o concelho a funcionar, foi um trabalho muito importante para todo o executivo.
            Contudo, para mim em particular, há uma situação que me toca bastante e que tem a ver com a criação da Ludoteca em Fevereiro de 1980.
            Tivemos uma médica que prestou serviço no Pinheiro Grande, de nome Manuela Rodrigues que era membro da União de Estudantes Comunistas (UEC) e com uma grande consciência social. Ela veio a contrair um cancro e a passar por muito sofrimento, tendo acabado por se suicidar. Contudo, e porque gostava muito de crianças, deixou a indicação aos seus pais que, do dinheiro que tinha, destinassem 170 contos para criar uma creche no Pinheiro Grande. Como aqui não haviam muitas crianças, pensámos em criar uma Ludoteca na Chamusca. Fizemos a sua instalação no Bairro 1.º de Maio, num espaço emprestado pela Santa Casa da Misericórdia. Ali se fez um trabalho gigantesco, que pareceu sempre pouco visível, mas que ocupou crianças das quais os pais não podiam cuidar e tratar, por razões profissionais e económicas, e que ali eram recebidas. A Ludoteca foi um grande factor de integração social e de auxílio familiar e um meio de valorização daquele lugar.


O retrato pintado da Dr.ª Manuela Rodrigues


Mas para mim houve uma outra pessoa de importância fundamental nesse processo e no próprio Bairro 1.º de Maio, que foi o Paulo Mira. Através da criação da Associação dos Amigos da Ludoteca e da Associação dos Moradores e Amigos do Bairro 1.º de Maio, e do seu envolvimento com a Ludoteca e com a própria Autarquia, este jovem dinâmico conseguiu a reconfiguração social do Bairro 1.º de Maio e fez com que os moradores e as pessoas de fora mudassem de opinião em relação ao Bairro e não o vissem com um lugar de conflito e desagradável para se viver.
O Paulo Mira era uma pessoa com uma dedicação, uma perspicácia e um empenhamento acima da média e que contribuiu de forma decisiva para que aquelas gentes do Bairro passassem a ser pessoas iguais às outras, menos desiguais.



Paulo Mira, o sorriso franco de um Homem que deixa muitas saudades. 

A Ludoteca sendo um projecto fisicamente pequeno, teve uma dimensão social muito importante, porque passou também a dar apoio às crianças quando estas não tinham aulas, ou ficavam à espera de transporte para irem para as suas casas em vários lugares do concelho e assim não ficavam na rua.
Foi um projecto muito positivo e de grande dimensão humana, e que ainda hoje continua a ter muita utilidade social.
Gostava ainda de referir que a Ludoteca da Chamusca, foi a primeira a nível do país a celebrar um protocolo com a Segurança Social.

E qual foi o aspecto negativo que mais o marcou na sua actividade enquanto autarca?

Foi quando decidi entregar-me à Polícia Judiciária e assumir toda a responsabilidade pela situação financeira que se vivia na Câmara. A tesouraria tinha rebentado, mas a autarquia precisava de respirar, avançar e sobreviver. Para isso era urgente encontrar verbas. Tive a ideia de negociar empréstimos com os bancos, dando como garantia os valores que iríamos receber por parte das empresas que iriam proceder ao pagamento da sua instalação na área do município. Fiz, portanto, empréstimos a descoberto contando com esse dinheiro e na óptica de que o resultado dessa operação traria um saldo positivo. Mas os pagamentos por parte das empresas não se deram no timing necessário e quando a situação se tornou insustentável e como eu era o principal responsável, fui-me apresentar à Judiciária para que se esclarecesse que não me estava a abotoar com esse dinheiro.
Entrei numa grande angústia, foi uma situação dramática para a minha família, mas o mais importante foi salvaguardar as pessoas que trabalhavam comigo e a situação económica da autarquia. Não tenho qualquer arrependimento relativamente à situação e saí dela sem qualquer culpa ou condenação, porque ficaram esclarecidos os procedimentos tidos e o processo acabou por ser arquivado. A situação apenas se deveu à minha intenção de fazer aquilo que pensei ser melhor para que o meu concelho continuasse a desenvolver-se e não estagnasse.

Quais foram as coisas que não conseguiu implantar no concelho da Chamusca e que gostaria que tivessem sido feitas?

Gostava que a Chamusca tivesse tido um maior desenvolvimento económico, com a implantação de empresas. Este facto também seria um contributo muito importante para a criação de postos de trabalho e para combater a desertificação do concelho. Mas, não servindo isso para me desculpabilizar, não nos podemos esquecer, neste ano em que se comemoram os 110 anos do arranque da construção da Ponte João Joaquim Isidro dos Reis, na Chamusca, que é ela que ainda assegura um grande fluxo de trânsito e de transportes de mercadorias, e que desde essa altura a criação de um novo traçado viário nunca passou do papel e de um projecto, o que deixou a Chamusca longe de um eixo rodoviário com mais mobilidade e melhores acessibilidades para as indústrias aqui se implantarem, escoarem os seus produtos e assim podermos ter mais desenvolvimento.



110 anos após o lançamento da primeira pedra para a sua construção, entre Santarém e Abrantes esta continua a ser a única Ponte que assegura a ligação entres as duas margens do rio Tejo e que torna possível o imprescindível transporte de mercadorias.  

Nunca pensou noutros voos a nível da política nacional?

Ainda cheguei a ser Presidente da Associação Distrital de Santarém da Associação de Municípios, porque confiavam na minha competência para representar as Autarquias do Distrito, mas ser deputado nunca me seduziu. Apesar disso, sem esta motivação da minha parte, mas por indicação e vontade partidária, ainda integrei uma lista para umas Eleições Legislativas. Felizmente que os resultados foram fracos e não me afastaram do meu meio e do meu objectivo primordial, o progresso do meu concelho. 

33 anos de vida autárquica é muito tempo. Foi ficando por não querer abdicar do seu estatuto pessoal?

Não, nada disso. Apesar de ter um vencimento acima da média, o que me manteve foi a vontade de avançar com novos projectos de desenvolvimento concelhio. De resto desconheço o que é isso de estatuto. Nunca tive peneiras.
Fui sempre um homem simples. Vesti sempre roupas comuns a muitas outras pessoas. Só comprei a minha casa em 1997 e recorrendo a um empréstimo bancário. Nunca vivi como um rico. Quando tinha que ir a reuniões importantes, como é evidente, vestia o fato e a gravata. Mas confesso que não me sentia bem com essa indumentária. Nunca gostei muito de coisas finas. Só como exemplo, uma vez fui convidado para ir a um restaurante que dizem ser chique, em Lisboa, que serve a comida dita gourmet. O empregado andou à minha volta a insistir que comesse a broa de uma determinada localidade do norte do país, que era algo de muito bom e de rara qualidade. Depois de tanta insistência tive que lhe responder que já comera pançadas de broa e que o fizera para toda a vida, porque em criança era o que mais comia. As pessoas quando nos vêem de fato e gravata e fazendo parte de uma comitiva de políticos, pensam que somos todos ricos e que nunca vivemos situações  de dificuldade económica.


Numa acção como Presidente da Câmara Municipal da Chamusca, conjuntamente com Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários Chamusquenses, o saudoso Eurico Monteiro, descerrando o Monumento alusivo à inauguração da nova sede daquela Entidade.


Com uma das equipas do Executivo da Câmara. João José Matias Bento, José Melão e Francisco Matias. Acompanhados por outra Figura da política autárquica; Artur Jacinto. 

Posso presumir então que lhe foi fácil deixar o poder!?

Não tive qualquer constrangimento por deixar o meu cargo autárquico. Nunca estive agarrado ao poder, nem fiquei tantos anos à frente da Autarquia por uma questão de dinheiro. Só fui ficando enquanto achei que o projecto que tínhamos para o Concelho era bom, estava actual e podíamos avançar com ele. Quando senti que já não podia acrescentar mais nada, retirei-me.


Última fotografia tirada no interior dos Paços do Concelho enquanto Presidente da Câmara. Sob o retrato pintado de João Joaquim Isidro dos Reis do qual é um profundo admirador.

Actualmente como é que ocupa o seu dia a dia?

Agora dedico-me à minha família e também muito a esta casa onde vivi em criança e durante grande parte da minha juventude, e que tenho vindo a decorar com variadas peças sobre a sociedade, a cultura, a publicidade e a história. Neste espaço, a que chamo a “Mercearia da Quinta” em memória do meu bisavô, desenvolvo alguns eventos temáticos, para apresentar a grupos de visitantes que aqui se deslocam. É uma espécie de museu pessoal, mas também contém muitos elementos que ajudam a traçar o percurso do Concelho da Chamusca, de Portugal e do Mundo, na área religiosa, social e etnográfica.


O seu bisavô José Rodrigues de Moraes, cuja memória evoca, a sua bisavó e a sua avó.


Com a sua mulher Elisete, o seu pai e o seu filho Miguel.

Os seus filhos Pedro e Miguel, quando crianças, numa imagem que muito preserva.

Sendo um apaixonado pelo concelho, quais os aspectos que nele mais aprecia?

Desde logo aprecio as suas gentes, que são por vezes pessoas de trato difícil, mas que se lhes dermos a devida atenção e as tentarmos compreender vemos que são empreendedoras, dedicadas à sua Terra e capazes de estabelecer relacionamentos fortes a nível social.
Temos valores históricos, culturais e do património bastante vincados e sendo eu uma pessoa interessada sobremaneira por estas áreas, sinto orgulho por os possuirmos. E mesmo sendo por vezes coisas pequenas, como por exemplo as festas de Tamazim, de S. Marcos, no Arripiado e todas as outras, a verdade é que fazem parte da identidade desta Terra e deste Povo. Basta olharmos para a Feira do Chouto, que já se realiza desde 1755, para percebermos a importância destas organizações para o enquadramento social do concelho.
Na globalidade gosto de todos os lugares deste extenso concelho e sinto uma grande satisfação em aqui viver.

Que mensagem gostaria de deixar para os naturais do concelho da Chamusca e para todos os leitores desta entrevista?

Eu tive a felicidade de conhecer muito mais pessoas boas do que menos boas. Trabalhei com centenas de pessoas de todas as classes sociais e de diferentes formações ideológicas e na generalidade as recordações que guardo é de um enorme prazer em as ter conhecido.
Nós não devemos discriminar e subvalorizar os outros, apenas por não terem dinheiro ou um estatuto social.
Sou uma pessoa optimista, mas a verdade é que a vida não tem só coisas boas. Por isso cabe-nos a nós, efectivamente, ter a noção de que não há ninguém primordial e insubstituível e acima de todos os outros. Nesse sentido temos que ter respeito pelo ser humano e pela natureza.
            Devemos acreditar sempre que podemos fazer coisas positivas, mas sem espezinhar ninguém.